O que não Poderemos Esquecer
Por que os homens só pensam "naquilo"? Por que nossas
novelas só mostram "aquilo"? Por que nossos anúncios e propagandas
insinuam "aquilo", sem parar? Porque fomos geneticamente programados a
pensar "naquilo" com muita freqüência. Podemos esquecer de fazer uma
série de coisas na vida. Podemos nos esquecer de tomar café ou de
dizer bom-dia ao vizinho, mas de uma coisa jamais podemos nos
esquecer: de nos reproduzir e ter filhos.
Cada um de nós está vivo porque somos o
último elo de milhões de antepassados, nenhum dos quais se esqueceu
de reproduzir-se. Quando as mulheres reclamam que homens só pensam
"naquilo", elas estão sendo tremendamente injustas porque o instinto
do "não esquecimento" está em ambos os sexos, e com a mesma
intensidade. Afinal, nenhuma das mulheres que fazem parte da nossa
genealogia se esqueceu de reproduzir-se. Hoje se suspeita até que mais
mulheres traiam o marido do que vice-versa.
Coloque-se na posição de Deus no dia
da criação. Você tem de decidir que tipo de ser humano criar. Você
precisará definir a intensidade de qualidades como agilidade,
inteligência, força, solidariedade e que grau de instinto sexual
atribuir ao homem e à mulher. Como a energia é escassa, você não
poderá dar grau 100 a cada qualidade humana.
Você daria 100 à inteligência, 60 à
agilidade e 40 ao instinto sexual? Ou você daria 40 à inteligência, 60 à
agilidade e 100 a nosso interesse "naquilo"? Você preferiria criar um
ser humano inteligente, mas desligado, ou um ser humano mais bobão,
mas com pouco risco de ser levado à extinção? Foi por essa segunda
opção que Ele parece ter se decidido: criou um ser humano bobo, mas
que vive pensando "naquilo".
Pela lei da
probabilidade, entre nossos 4 milhões de ancestrais, mais de uma vez
tivemos um antepassado meio esquecido e desligado, que só teve um
filho aos 36 anos, pouco antes de ser comido pelos leões. O suficiente
para ele deixar você como descendente. Todos nós escapamos por um
triz de não estar lendo este artigo. Se Deus tivesse atribuído grau 40
em vez de 100, o que provavelmente muitos teólogos, papas e
moralistas teriam escolhido, a sua história familiar seria outra, ou
seja, inexistente.
Essa decisão divina explica muita
coisa deste mundo maluco: esta burrice coletiva que assola o mundo e o
Brasil e as besteiras que homens e mulheres cometem. Uma sábia
decisão que hoje provoca uma série de problemas, como o erotismo
desenfreado, a preocupação exagerada com o sexo, o desempenho e a
traição, que trazem como conseqüência esta sociedade de consumo e de
ostentação. Mas que nos permitiu chegar até aqui como somos: lerdos,
burros, mas vivos.
A encrenca é que a maioria dos nossos
publicitários, autores de telenovela, artistas, cineastas, a turma do
"trair é normal" e do "tudo é permitido", usa e abusa desse nosso
instinto supercaprichado para os próprios interesses. Um jovem hoje em
dia terá sido exposto a 12.000 apelos sexuais antes de completar 14
anos, uma aberração cultural sem precedentes na história da
humanidade. Hoje não precisamos ter doze filhos baseados na chance de
que dois chegarão até a vida adulta. Estão deliberadamente abusando
desse nosso gene de preservação para ganhar dinheiro para suas
empresas e para si.
Se você acha divertido assistir a
novelas que só tratam "daquilo", se você vive na internet procurando
"aquilo", se você acha o máximo os livros que só tratam "daquilo",
saiba que você está sendo usado e correndo risco de extinção. Estão
afastando-o de sua verdadeira tarefa de procurar alguém ideal para
fazer "aquilo" com amor e diversão. Estão usando o instinto mais
caprichado que Deus nos deu para fazer justamente o contrário, deixar
você isolado na frente do computador ou da televisão.
Nossos professores, artistas e
cineastas, nossos líderes espirituais, nossa Igreja, nossos intelectuais
estão se esquecendo de que sexo precisa ser de fato divertido, mas o
segredo do divertimento são o comedimento, a surpresa e o mistério, e
não essa massificação e banalização a que estão nos submetendo.
Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School (www.kanitz.com.br)
Revista Veja, Editora Abril, edição 2069, ano 41, nº 28, 16 de julho de 2008, página 22